segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Resenha da Crônica jornalística: um gênero ambíguo de texto

HARTUIQUE, Deise Luci Luiz. Crônica jornalística: um gênero ambíguo de texto. In PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino e GAVAZZI, Sigrid (org). Texto e Discurso. Rio de Janeiro: Lucena, 2003.


A autora Deise Hartuique expõe em seu trabalho “crônica jornalística: um gênero ambíguo de texto” fatos que deram origem à nossa crônica atual. Ela começa dizendo que a crônica é um gênero de texto que aborda diversos assuntos, cuja função inicial era a histórico-narrativa. Como exemplo cita Fernão Lopes, cronista-mor de Portugal, que teve grande destaque ao escrever histórias desse país. Posteriormente, esse gênero passou a ganhar caráter descritivo, sobretudo em virtude das deslumbrantes viagens realizadas pelos autores da época.
Hartuique cita trechos do livro “Crônica: história, teoria e prática, de Ilka Brunhilde Laurito”, em que Laurito afirma que somente no século XIX a crônica passou a ter a roupagem que tem nos dias de hoje. Acrescenta ainda que, inicialmente, a crônica nasceu de um filão, iniciado na França, vindo para o Brasil, onde teve grande êxito. Esse filão, chamado folhetim, cujo teor principal era entreter os leitores, devido às grandes más notícias que circulavam nos jornais - e ainda circulam - era um espaço livre no rodapé do jornal, que devido ao grande sucesso passou a ser um ímã para atrair leitores.
A partir do século XX, a crônica passou a ser mais abrangente, ou seja, trata dos mais variados assuntos, podendo ter cunho político, esportivo, literário etc, e que vem sempre em jornais e revistas. Tem como característica uma linguagem clara, simples, de fácil entendimento, cuja finalidade é apresentar um diálogo, uma interação entre o autor e o leitor. Apesar de a crônica ter a pretensão de ser um texto fácil, não significa que haja um descompromisso do autor no desempenho da sua escrita, como afirma Laurito (1993, 27 e 28), pois exige muito talento ao escrever, em razão de haver um leque de assuntos a serem explorados.
No artigo resenhado, Deise presenteia os leitores com a magnífica crônica “Nascido em 4 de julho”, de Marcos Caetano. O tema central - como em toda crônica há uma abordagem de um assunto singular - é a respeito de futebol, porém Caetano aproveita para abordar fatos de ordem social, como a questão das meninas abandonadas no Nepal.
Escritores de crônicas têm o privilégio de não se prenderem a somente uma vertente; eles têm o poder de ser versáteis: poetas, filósofos, místicos, contadores de casos, enfim, podem extravasar seu lado excêntrico e subjetivo, conforme afirma Flora Bender (1993: 53). Por ser a crônica um texto versátil, ele é ambíguo, em decorrência de reunir uma grande mistura de gêneros e discursos, que variam entre o épico, o lírico ou o dramático, e ter a forma textual narrativa, descritiva, enunciativa ou argumentativa. Tudo vai depender do autor, da sua proposta de texto, da sua vivência de mundo, e da sua intenção diante do leitor: comover, informar, interagir, normatizar etc. Como acrescenta Eduardo Portella (1979: 53 e 54 apud Bender e Laurito 1993:53), a estrutura da crônica é uma desestrutura; a ambigüidade é a sua lei.
Voltando à crônica jornalística de Marcos Caetano, pode-se concluir que ela contém muitas passagens que evidenciam com nitidez as características desse tipo de texto, como a narrativa em primeira pessoa do singular, linguagem fácil, foco principal em um assunto específico, apesar de haver uma diversidade de fatos correlatos, e sobretudo a interação, a conversa que existe entre o leitor e o autor, sua característica essencial.
Clarice Lispector, em entrevista ao Jornal do Brasil, em 18 de agosto de 1973, esclarece de forma bastante contundente as marcas de suas crônicas, que são, por sua vez, um reflexo desse gênero de texto em geral: “Na crônica, acho que coloco uma espécie de mundo através de uma espécie de mim. O leitor quer, no jornal, encontrar um pouso, uma conversa”.

Um comentário:

Linguisticando disse...

Adorei o blog!!!! E essa resenha explica resumidamente o estilo único e inconfundível de Clarice. Me fez relembrar que a estrela não tem hora. Ela brilhará eternamente, 24 horas por dia!!!
Parabéns!!!!!